Soldagem em Operação de Tubulações com Pequena Espessura Remanescente

1. INTRODUÇÃO

 A soldagem em operação é uma técnica freqüentemente empregada no reparo ou modificação de tubulações. Ela apresenta significativas vantagens econômicas, dado que evita os custos envolvidos na interrupção da operação e garante a continuidade no fornecimento do fluido.
A extensa malha de dutos no território nacional (15 000 km) e a crescente necessidade de utilização das reservas de gás natural, fazem da soldagem em operação fator fundamental e estratégico num cenário de garantia de suprimento e aumento do número de consumidores.

   A tecnologia existente e a experiência estão relacionadas principalmente com o reparo de tubos de parede espessa (de 6 mm ou mais) e de aços de baixa resistência. Entretanto existe uma necessidade crescente de realizar soldagens em tubos de parede fina. Isso porque: i) as tubulações instaladas há varias décadas, apresentam perdas significativas de espessura; ii) à medida que se utilizam aços de maior resistência também diminui a espessura nominal das tubulações.

   Durante os anos 80 foram desenvolvidos os primeiros modelos de simulação numérica da soldagem em operação no Instituto Battelle e no EWI (Edison Welding Institute). É evidente que os métodos numéricos tem um papel importante na avaliação das condições para realizar uma soldagem em operação de forma segura. Entretanto, não existe ainda um método confiável para prever as condições passíveis de causar uma perfuração em tubos de parede fina, sendo esse um dos propósitos dados ao presente projeto. Adicionalmente não se encontra na literatura informações sobre o risco de perfuração em aços inoxidáveis austeníticos, o que é de fundamental importância para segmento petroquímico. Esses aços possuem condutividade térmica menor e coeficiente de dilatação linear maior que os aços ferríticos, resultando num risco potencial mais elevado de perfuração.

   Finalmente, destaca-se que o projeto agrega os esforços de pesquisadores da UFSC e UFPR aos interesses do CENPES/RJ e TRANSPETRO em aprofundar a aplicação de diferentes processos que apresentam potencial para diminuir os riscos de acidente na soldagem de dutos sem interrupção de fluxo.

2. OBJETIVOS

  • Definir critérios e métodos que permitam estabelecer condições de soldagem em operação de tubulações de pequena espessura remanescente, evitando o risco de perfuração pelo arco de soldagem. Os critérios serão aplicáveis a soldagem de aços ferríticos e austeníticos.
  • Estudar a aplicabilidade de diversos processos (eletrodo revestido, TIG alimentado e aspersão térmica) em relação à diminuição do risco de perfuração.

3. REVISÃO DA LITERATURA

   Quando se realiza uma soldagem em operação há dois riscos principais a serem considerados. O primeiro é a perfuração (burnthrough) devida à sobre-penetração do arco, resultando no vazamento do fluido e problemas para a segurança do soldador. O segundo é que devido às potenciais altas velocidades de resfriamento da solda (como efeito do escoamento de calor pelo fluido), surgem microestruturas duras que aumentam o risco de trincas por hidrogênio e deterioram a tenacidade do material. O primeiro caso é o abordado nesta proposta.

   Ocorrerá uma perfuração quando o metal aquecido pelo arco atinja uma temperatura suficientemente elevada para diminuir a resistência local que neste caso já não suporta a pressão interna do tubo. Portanto, para evitar o risco de perfuração há que limitar o aporte térmico utilizado ou eventualmente também impor uma redução da pressão.

   A medida mais fácil e efetiva para reduzir a susceptibilidade às trincas a frio é utilizar processos e consumíveis de soldagem que resultem num menor teor de hidrogênio difusível. Outra medida é aumentar o aporte térmico, com o qual se reduzem as velocidades de resfriamento e, com isso, a quantidade de martensita presente. Porém, o uso de um aporte térmico maior entra em conflito com o requerimento de evitar a perfuração.

   O maior avanço na tecnologia de soldagem em operação foi o desenvolvimento pelo Instituto Battelle, no começo dos anos 80, de um modelo de análise térmico para a soldagem de tubos com fluxo interno, que permite a temperatura na superfície interna do tubo e as velocidades de resfriamento da solda.

   Segundo as pesquisas no Instituto Battelle, é improvável que ocorra perfuração quando a espessura do tubo é igual ou maior que 6,4 mm, desde que sejam utilizados eletrodos revestidos do tipo básico e adotadas práticas de soldagem adequadas. O efeito da pressão interna do fluido sobre o risco de perfuração é secundário, dado que o tamanho da área aquecida é pequeno.

   Num projeto financiado pelo PRCI foram desenvolvidas diretrizes para a soldagem em serviço segura de tubulações com espessuras pequenas, de até 3,2 mm. Para fazê-lo foram realizados ensaios de simples deposição sobre o tubo, usando como fluido gás metano pressurizado, com várias velocidades de fluxo [Bruce].

   Mediante a observação das macrografias das suas seções transversais, as soldas foram classificadas em três categorias relativas à ocorrência de perfuração: seguras, marginais e perfuradas. A figura 1 mostra a macrografia de uma solda caracterizada como perfurada: observa-se um bojo pronunciado do lado da raiz da solda e trincas (aparentemente de solidificação). Além disso, em função da elevada temperatura houve enriquecimento do metal em carbono provindo do gás metano, com o qual formou-se um constituinte eutético de baixa ductilidade, que apresenta trincas.


Figura 1- Macrografia de uma solda que apresenta um bojo pronunciado e trincas no metal de solda [Bruce].

   Na figura 2 é mostrado como foi definido o limite de aporte térmico para evitar perfuração, observando-se que a curva foi ajustada de forma relativamente arbitrária entre pontos experimentais classificados qualitativamente.


Figura 2- Ilustração do critério utilizado para definir o limite de aporte térmico
em função da aparência macrográfica das soldas [Bruce].


   Sabapathy et al aplicaram o método de elementos finitos tri-dimensional para determinar o campo de temperaturas em regime estável (isto é, quando já foram atingidas as temperaturas máximas e é mais provável que ocorra perfuração). Mediante uma análise termo-elasto-plástica, determinaram a deflexão do material no sentido radial em função da pressão do fluido, como mostra a figura 3. Segundo os autores, o ponto onde a curva se desvia do comportamento linear pode ser considerado um limite de escoamento efetivo local, que representaria o limiar para ocorrer perfuração.


Figura 3 - Deflexão radial calculada em função da pressão do fluido, para a soldagem de um tubo de 3 mm
de espessura utilizando aporte térmico de 7,5 kJ/cm [Sabapathy et al].

   Embora esse método possa fornecer resultados confiáveis e considerar a influência da pressão sobre a perfuração, é bastante demorado. Portanto, os autores propõem outro método mais simples e rápido, que consiste em calcular as dimensões de uma cavidade equivalente, com base no campo de temperaturas e a relação entre a tensão de escoamento do material e a temperatura. A partir daí, a pressão máxima que pode suportar o tubo tendo essa cavidade pode ser determinada utilizando métodos teórico-experimentais confirmados em ensaios de arrebentamento, como aqueles incorporados nas normas ASME B31G-1991 e API 579-2000.

   Para demonstrar a precisão do seu modelo, Sabapathy et al comparam os valores previstos com aqueles obtidos experimentalmente por Wade (veja a figura 4).

   Num trabalho mais recente Bang et al apresentam um método para a previsão da perfuração na soldagem circunferencial de calhas. Utilizaram um modelo de elementos finitos bi-dimensional axi-simétrico (isto é, considerando que o cordão de solda é depositado ao mesmo tempo em toda a circunferência do tubo). Estimaram as tensões desenvolvidas e, dai, a deformação em cada local da região da solda. Segundo os autores, quando a deformação ultrapassa a capacidade do material para deformar (valor que está relacionado com o alongamento percentual do material obtido no ensaio de tração), ocorreria a perfuração.


Figura 4 - Comparação das condições previstas para ocorrer a perfuração com aquelas observadas por Wade [apud Sabapathy et al].


4. METODOLOGIA

   Para atingir os objetivos propostos são previstas duas linhas de trabalho:

a) Definir critérios para a ocorrência de perfuração, respaldados por extensivo levantamento experimental das condições em que ocorre esse evento.

b) Ensaiar diversos processos de deposição de material (eletrodo revestido, TIG alimentado e aspersão térmica), para verificar qual deles é mais adequado e em que condições deve ser utilizado para reconstituir a espessura de um tubo sem produzir perfuração.

4.1. Estabelecimento de critérios para a perfuração.

   Os experimentos para validar os critérios serão realizados de forma similar a como foi feito por Wade [apud Sabapathy], mas utilizando em vez do processo eletrodo revestido, o aquecimento por tocha TIG, que permite obter um arco mais estável e controlar melhor as condições de soldagem.

   Os ensaios serão feitos em tubos de aço ferrítico API 5LX-70 e aço inoxidável austenítico AISI 304, com várias pressões do fluido (entre 1 e 50 kgf/cm2) e vários níveis de aporte térmico.

   Num mesmo cordão de solda, mantendo a corrente constante, a velocidade de soldagem será diminuída gradativamente até atingir a perfuração. Nas macrografías transversais das soldas serão medidas as dimensões das isotermas e verificada a existência de deformação permanente (bojo).


Figura 5
- Solda de simples deposição sobre tubo com perda de parede interna.

   Devido às dificuldades de vedação do orifício de entrada do termopar e, no evento de uma perfuração, aos inerentes riscos para o operador, que estaria inserindo o termopar na poça fundida, nos ensaios a alta pressão o campo de temperaturas e os ciclos térmicos serão determinados mediante modelo o analítico de Santos, com seus parâmetros calibrados com base nas dimensões de uma isoterma observada em macrografia do cordão de solda. Para garantir a segurança dos operadores, o tubo e o dispositivo de deslocamento do eletrodo estarão isolados dentro de um “bunker” metálico, mostrado na figura 7, de resistência suficiente para suportar o impacto de fragmentos metálicos que poderiam ser projetados ao ocorrer uma perfuração.



Figura 6- Solda de filete entre tubo e calha [Bruce W.A.]

   Com o conhecimento do campo de temperaturas, poderá ser avaliados os critérios de perfuração: a) do Instituto Battelle (temperatura máxima na parede interna do tubo igual a 1260 oC); b) da cavidade equivalente, proposto por Sabapathy et al.



Figura 7 - “Bunker” construído no Labsolda/UFSC para soldagens em tubos pressurizados, com fonte
de energia e sistema de aquisição externos.

4.2. Estudo da aplicação de diversos processos/procedimentos para a deposição de material em tubos de pequena espessura

4.2.1. Processos de soldagem a arco

   Serão realizados experimentos com os processos eletrodo revestido e TIG alimentado. Os ensaios serão feitos em tubos de aços API 5LX-70 e AISI 304, com água e nitrogênio a temperatura ambiente, utilizando dois níveis de pressão do fluido (1 atm e 50 kgf/cm2.).

    No caso do processo TIG, será utilizada CC constante e pulsada. Os resultados serão analisados com relação ao critério para perfuração estabelecido no item 4.1 e a outros aspectos, como o nível de produção obtido e a velocidade de resfriamento da solda.


4.2.2. Estudo da soldagem com eletrodos revestidos em tubos previamente revestidos por aspersão térmica

   Como recurso alternativo à recuperação de tubulações ou dutos com perda acentuada de espessura, propõe-se a aspersão térmica (AT), que não introduz aquecimento severo no material base, além de não gerar tensões residuais elevadas após a deposição, e com isso minimiza os riscos de perfuração. O objetivo é revestir/amanteigar por aspersão térmica, superfícies corroídas ou desgastadas, para sua posterior soldagem em operação. Os processos de AT a serem testados serão a chama convencional e arco elétrico, aplicando-se (em primeira linha) arame de composição química similar ao duto ou ao eletrodo de soldagem.

   Ensaios preliminares já efetuados pelo Labsolda/UFSC em colaboração com o Dr. Ramón Cortés (Lab. de Aspersão Térmica da UFPR/Curitiba) mostraram resultados promissores para essa técnica.

   A proposta de recuperar por AT a espessura de dutos danificados justifica-se pelo menor risco de perfuração numa posterior soldagem a arco, uma vez que se pode aumentar significativamente a espessura da parede. Soma-se a isso o fato de uma maior espessura possibilitar o uso de aportes térmicos maiores, diminuindo a alta taxa de resfriamento e, com isso, o risco de trincas a frio.

  A metodologia envolverá duas fases de desenvolvimento experimental:

Fase 1) Testes preliminares de soldagem sobre chapas de aço carbono revestidas por Aspersão Térmica (AT)
Fase 2) Soldagem sobre tubos de aço carbono revestidos por AT.

5. REFERÊNCIAS

  • ASME B31G-1991. Method for determining the remaining strength of corroded pipelines.
  • BANG, I.W., SON, Y.P., OH, K.H., KIM, W.S. Numerical simulation of sleeve repair welding of in-service gas pipelines. Welding Journal, december 2002, p. 273s-282s.
  • BRUCE, W. Welding onto in-service thin-wall pipelines.
  • PAES, M.T.P., POPE, A.M., SOUZA FILHO, B.G., TEIXEIRA, J.C.G. Procedimento para a soldagem de dutos e tubulações industriais em operação. Relatório Técnico Petrobrás. Rio de Janeiro, 2000.
  • POPE, A. M., SOUZA FILHO, B.G., PAES, M.T.P. Soldagem em operação de dutos e tubulações – Revisão do Estado da Arte. Anais do I Encontro Técnico de Soldagem – Petrobrás – RJ - 2004
  • SABAPATHY, P.N., WAHAB, M.A., PAINTER, M.J. Numerical models of in-service welding of gas pipelines. Journal of Materials Processing Technology. Vol 118 (2001), p. 14-21.
  • SILVA, A.C. Reparo por deposição de solda aplicada a tubulações de petróleo e gás em serviço com pequena espessura remanescente, Dissertação de Mestrado, UFSC, Florianópolis, 2004.
  • SANTOS, L.A. Condução de Calor na Soldagem com Pulsação Térmica, Tese de Doutorado, CPGEM- UFSC, Florianópolis, 2001.

Coordenador:

  • Augusto José de Almeida Buschinelli

Colaboradores:

  • Carlos Henrique Niño
  • Cleide M. Marqueze
  • Nilceu Novicki
  • Guber Eduardo Guerrero Perez